Não se concentre tanto nas minhas variações de humos, apenas insista em mim. Se eu calar, me encha de palavras, me faça querer dizer outra e outra vez sobre você, sobre nós, e todo esse amos. Se eu chorar, não me fala muitas perguntas, não precisa nem secar minhas lágrimas. Só me diz que você continuará comigo pra tudo, que tenho teu colo e teu carinho. E ainda que te doa me ver assim, me envolva nos teus braços e diga que eu posso chorar, mas que você não saíra dali enquanto eu não sorrir. Porque é isso que nos importa não é? O sorriso um do outro. ~ Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

E agora José - Carlos Drummond de Andrade


      E agora José?
      A festa acabou,
      a luz apagou,
      o povo sumiu,
      a noite esfriou,
      e agora, José?
      E agora, José?
      Você que é sem nome,
      que zomba dos outros,
      você que faz versos,
      que ama, protesta,
      e agora, José?
      Está sem mulher,
      está sem discurso,
      está sem carinho,
      já não pode beber,
      já não pode fumar,
      cuspir já não pode,
      a noite esfriou,
      o dia não veio,
      o bonde não veio,
      o riso não veio
      não veio a utopia
       e tudo acabou
      e tudo fugiu
      e tudo mofou,
       e agora José?
      E agora, José?
      Sua doce palavra,
      seu instante de febre,
      sua gula e jejum,
      sua biblioteca,
      sua lavra de ouro,
      seu terno de vidro,
      sua incoerência,
      seu ódio - e agora?
      Com a chave na mão
      quer abrir a porta,
      não existe porta;
      quer morrer no mar,
      mas o mar secou;
      quer ir para Minas,
      Minas não há mais.
      José, e agora?
      Se você gritasse,
      se você gemesse,
      se você tocasse
      a valsa vienense,
      se você dormisse,
      se você cansasse,
      se você morresse...
      Mas você não morre,
      você é duro, José!
      Sozinho no escuro
      qual bicho-do-mato,
      sem teogonia,
      sem parede nua
      para se encostar,
      sem cavalo preto
      que fuja a galope,
      você marcha, José!
      José, para onde?


    __

    "De nós, velhos, desculpam-se os erros,
    pois não encontramos as estradas abertas;
    mas de quem chegou ao mundo depois de nós, pode-se exigir mais;
    andarão por caminhos que nós já abrimos." J. P Eckermann